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Sobre como a gente precisa parar de tentar esquecer

quinta-feira, 21 de maio de 2020




Sabe quando, na terceira ou quarta série, você tem aquela amiga ou amigo que ama muito e daí por algum motivo essa pessoa te decepciona, vocês se afastam e um permanece o tempo todo tentando mostrar ao outro que já esqueceu a amizade e que está bem melhor?

Às vezes quando a gente cresce continua sendo assim, só mudam os papéis (às vezes nem mudam). Todos nós temos algum conflito interno com alguém que ama ou amou muito, mas as coisas tomaram caminhos estranhos ou se romperam de forma abrupta e insistimos em bater repetidamente na tecla "esquecer", o que só nos faz lembrar ainda mais, de um modo tão avassalador, que chega a ser a única coisa que conseguimos pensar na maior parte do tempo.

Amigos, relacionamentos amorosos, familiares, seja qual for o tipo de relação, é sempre o mesmo impulso:
"deletar" o histórico daquela pessoa na sua vida e seguir em frente. Mas seguir em frente não depende de "esquecer" ou "deletar". De algum modo, todos nós seguimos em frente, melhor ou pior, mais ou menos felizes... O que muda é a forma como escolhemos seguir, esse é o X da questão.

Somos levados a acreditar que pra seguir em frente, precisamos "deletar","esquecer" e enquanto isso não acontece, significa que ainda não seguimos em frente. Mas seguimos sim, a vida continuou a acontecer todos os dias e a gente sabe! A gente sabe também que não vai esquecer - a não ser por intermédio de uma crise de amnésia repentina, ninguém vai simplesmente conseguir deletar um trauma emocional das ligações cerebrais. Portanto, essa coisa de esquecer é uma falsa ilusão e precisamos aceitar isso, pelo nosso próprio bem.

Precisamos aceitar que não nos tornamos menores porque nos sentimos feridos, que não somos fracos por sentir dor. Precisamos aprender a deixar o ego de lado e entender que nos permitirmos sofrer faz parte do processo de cura, até porque nenhuma ferida cicatriza sem sangrar.

Não vamos nos esquecer, nunca vamos esquecer. A traição, a quebra de expectativa, a mentira, a deslealdade, aquele amor que não foi, aquele amor que foi, mas foi ruim, a amizade que acabou, o sentimento de perda, a frustração, o desespero, a incredulidade em saber que aquele alguém que tinha o seu amor foi capaz de te fazer sofrer de um jeito que você jamais seria capaz de fazer de volta. Tudo isso vai ficar gravado. É impossível esquecer. Nos transformamos a cada dor e decepção e nunca voltaremos ao estado anterior. Esse é um fato imutável, por mais que relutemos.

Mas, escolher seguir em frente bem, feliz, é se curar ao ponto de se permitir lembrar sem culpa, sem dor. É saber perceber que nem tudo são apenas partes boas ou ruins, mas sim um composto de ambas as coisas, perceber que algumas experiências são importantes para nos tornarmos pessoas melhores, com escolhas melhores. É saber que não precisamos nos culpar por fazer escolhas que em algum momento pareceram ruins, porque se não fossem essas escolhas, não saberíamos como escolher melhor depois.

Estamos em um constante aprendizado, e esse texto é sobre aprender a se curar. Nós vamos seguir em frente, de um modo ou de outro. Só que algumas pessoas simplesmente não se curam e por isso acreditam que nunca seguiram em frente, mas a vida seguiu e elas escolheram permanecer em luta e negação da própria dor.

Não dá pra se curar sem se deixar sangrar, por isso, esqueça um pouco o orgulho, sangre, tome seu tempo e, enfim,  aceite o que foi e tudo que aprendeu. Sangrar é aceitar que não precisamos nos culpar por termos sido feridos. Sangrar é saber que não precisamos revidar, devolver na mesma moeda, porque independente da intensidade da dor que possamos causar ao outro, ela não vai suprimir a nossa, nem fazer com que nunca tenha existido.Não há nenhum prazer nem honra nisso. Se deixar sangrar dói, por bastante tempo. Incomoda, principalmente quando se esbarra nessa ferida por aí,  mas passa, porque não se pode sangrar para sempre. O sangue da ferida é também o remédio que cicatriza.

E depois, é como as nossas marcas de infância, que rendem longas histórias e até boas lembranças, por mais triste e doloroso tenha sido o momento em que elas surgiram.




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