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Pedro e o verbo "ser"

quinta-feira, 19 de julho de 2018

Televisão ligada, comercial aleatório. Cortinas balançavam com a chegada da brisa da tarde, naquele 4° andar. A buzina dos carros fazia a trilha sonora. Ao fundo o sino da igreja  badalava as 6, ecoando dentro daquele apartamento minúsculo e quase vazio, como os tantos outros que completavam a paisagem.

Vazio.

Apesar de possuir uma TV ligada, uma foto das filhas ao lado na estante, cortinas esvoaçantes, um sofá de três lugares,  um  quarto com camas, uma dispensa ainda cheia e uma varanda para o pôr-do-sol enfumaçado.
Vazio. 
Porque não se trata exatamente de ter, mas de ser, e aquele homem que agora se sentava apoiando as mãos sobre os joelhos, com o olhar fixo no chão, não sabia ao certo quem era.Ser é algo complexo, em um momento somos (ou temos) tudo e no outro nem a metade, pela simples questão de confundir os verbos. 

Alguém precisava tocar a campainha e dizer isso a Pedro. Porque Pedro não sabia que o que
era ia além de ter um bom emprego que pagasse suas contas, além do carro do ano que ajudava a compor a canção das 5 da tarde no pontilhão engarrafado, além das mulheres com quem costumava sair para não estar só nas noites agitadas de sábado e das garrafas vazias embaixo da pia.


E não sabendo disso, sem os amigos, as festas, essas mulheres,  o carro e o maldito emprego, ali, dentro daquele apartamento, Pedro era só alguém perdido em meio aos vários Pedros que criou para se adequar.Pedro era mais e alguém precisava dizer isso a ele, mas ninguém o faria, pois todos estavam ocupados demais, com suas mãos sobre os joelhos, o olhar fixo no chão, pensando sobre o próximo dia que está entre a ida e a volta do pontilhão.







(Esse texto faz parte do E-book "Caderno de Memórias afetivas" - uma coletânea de textos produzida por mim e disponível na Amazon)

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